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Governança Corporativa como forma de Gestão Estratégica do Patrimônio Familiar

 

Por Any Caroline da Silva* e Matheus Kniss

O olhar profissional para a gestão pessoal do patrimônio é uma prática que ainda enfrenta certa resistência no Brasil. Isso se deve à presença de uma barreira cultural que orienta a realização de operações informais e inseguras, permanecendo enraizados na tradição brasileira os contratos de gaveta, as vendas sem transferência de titularidade, as participações fictícias em sociedades empresárias, e assim sucessivamente.

Com o objetivo de esclarecer alguns aspectos iniciais deste artigo, é importante notar que “Governança Corporativa” enquanto prática tem raízes históricas que remontam às décadas de 1920 e 1930, principalmente nos Estados Unidos. Isso ocorreu nos períodos que antecederam e sucederam o evento do Crash da Bolsa de Wall Street em 1929. A utilização do termo “Governança Corporativa”, no entanto, ganhou destaque no início dos anos 90, também nos Estados Unidos. Trata-se de um conjunto de práticas que tem como pilares fundamentais a equidade, a transparência e a responsabilidade.

A Governança Corporativa tem por intuito regulamentar, direcionar, monitorar e incentivar, de forma integrada, não apenas os sócios e sociedades empresárias, mas também os órgãos de gestão das sociedades empresárias e sua relação com o mercado, sendo um dos principais objetivos, garantir a confiabilidade das operações da companhia, promovendo boas práticas patrimoniais e o estrito cumprimento da legislação aplicável.

Engana-se quem imagina que esses conceitos não poderiam ser aplicados, por exemplo, em pequenos negócios ou na gestão do patrimônio de uma família. Historicamente – e isso não é uma realidade exclusivamente brasileira –, o patrimônio transmitido às gerações seguintes se perde por três motivos em especial: a existência de conflitos pessoais insanáveis, a ausência de elementos efetivos de controle coletivo e a inexperiência ou incapacidade de autodeterminação e gestão.

Dentro de um projeto sucessório, por outro lado, é fundamental antecipar e mapear os riscos do tempo e do acaso.

Nesse contexto, os instrumentos típicos das grandes corporações podem ser importados com o objetivo de assegurar a perpetuação patrimonial ou, pelo menos, a aplicação das melhores práticas de gestão e planejamento. Em outras palavras, um projeto sucessório sólido, capaz de se manter ao longo do tempo, vai além do simples conceito de holding. Com frequência, esse conceito é erroneamente tratado como algo simples e de fácil execução.

Nas companhias, o acordo de acionistas, previsto no art. 118, da Lei n. 6.404/1976, é um instrumento interessante de regulamentação das relações entre acionistas, companhia e diretores ou conselheiros. Nas sociedades empresárias limitadas o conceito é plenamente aplicável. Uma diferença notável entre o que está previsto em um contrato ou estatuto social e um acordo de sócios ou acionistas é a questão da publicidade. Isso ocorre devido à ausência de registro dos acordos, o que poderia resultar na sua divulgação pública.

No entanto, esses acordos possuem eficácia executiva suficientemente coercitiva para alcançar seus próprios propósitos. Além disso, o regimento interno, tradicionalmente utilizado para regulamentar os conselhos fiscal e de administração, também tem sua aplicabilidade ajustada e é capaz de surtir efeitos em pequenas companhias ou sociedades.

Esses dois únicos, básicos e elementares exemplos de instrumentos de Governança Corporativa podem ser tranquilamente transportados à realidade de uma família investidora e empresária. Naturalmente, em uma holding familiar, todos os instrumentos empresariais são automaticamente aplicáveis. Um acordo de sócios ou acionistas, se bem redigido, representa mais da metade do caminho em direção à gestão responsável de ativos familiares.

Os três instrumentos de gestão e governança reunidos são denominados “Protocolo Familiar” ou “Protocolo Societário Integrado”. Respeitadas as formas legais e juridicamente aceitáveis de cada um, eles devem conter, dentre outras, disposições sobre:

  1. Administração: limites dos quais podem se valer os administradores ou diretores para atuar sem que seja necessário ouvir os sócios ou acionistas, e os critérios de sucessão de cargos e posições;

  2. Bens: quais as possibilidades de gestão (compra, venda, locação, dação) de bens e ativos sem que seja necessário ouvir os sócios ou acionistas, e qual deve ser o regime aplicável à utilização dos bens familiares;

  3. Exposição: quais são as possibilidades de exposição pública dos membros da família, e quais são as sanções na hipótese de violação dessas possibilidades;

  4. Associações: a agremiações ou a partidos políticos e quais os espectros e as consequências;

  5. Casamento: o regime de bens aos quais devem aderir os membros da família;

  6. Conduta: anticorrupção e antitruste como normas fundamentais;

  7. Lock-Up: período (com termo inicial e final) dentro do qual ninguém pode deixar a(s) sociedade(s) envolvida(s) no planejamento;

  8. Envolvimento: as qualificações necessárias para ocupar determinados cargos na gestão e administração;

  9. Dissidência: os critérios (de desvantagem) para o pagamento dos haveres do membro da família que voluntariamente se retirar;

  10. Outros.

Nos Estados Unidos, as pessoas têm utilizado o planejamento sucessório, conhecido como “Estate Planning”, com dois principais objetivos há algumas décadas. O primeiro é garantir a redução ou eliminação do tributo análogo ao ITCMD brasileiro, chamado de “Estate Tax”. O segundo é eliminar a necessidade de procedimentos inventariais, incluindo disputas entre herdeiros e os atrasos judiciais associados a eles, conhecidos como “probate”.

O Planning, ainda, garante a distribuição do patrimônio de acordo com as aptidões de cada herdeiro.

Embora o Direito Americano contemple hipóteses mais seguras e concisas para a estruturação de planejamentos sucessórios, como o trust (que não tem equivalente no Direito Brasileiro) e o pour over will (análogo ao testamento), nada impede que estrangeiros, por meio do veículo adequado, utilizem essas mesmas estruturas em território americano. Isso é válido mesmo para indivíduos que residam em outras jurisdições e tenham o único propósito de realizar investimentos nos Estados Unidos.

A RMSA conta com profissionais especializados na consecução de todas as etapas dissecadas neste artigo. Além disso, possui ampla experiência na execução de planejamentos sucessórios tanto no Brasil quanto no exterior.

 

* Any Caroline é advogada na Roveda & Marcelino Sociedade de Advogados (RMSA) e Especialista em Direito Societário e Tributário.

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