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A importância do Acordo de Sócios ou Acionistas

 

Por Matheus Kniss*

Abordamos os benefícios de se utilizar uma holding familiar como modelo efetivo de administração patrimonial em nosso último artigo publicado no site. Especialmente quando envolve profissionais médicos, com notório enfoque na questão sucessória.

Como decorrência lógica da constituição de holdings familiares que cumprem satisfatoriamente seu papel nas finalidades que possuem, outros instrumentos podem se revelar indispensáveis ao resguardo dos interesses de sócios, acionistas e da própria sociedade em questão.

Os sócios ou acionistas devem considerar o acordo de sócios ou acionistas como um instrumento vital para garantir a efetiva continuidade das empresas e das relações entre eles. As companhias que buscam crescimento e uma estrutura organizada devem colocá-lo como prioridade. Além disso, as sociedades empresariais familiares e patrimoniais também devem adotá-lo para assegurar que os interesses dos patriarcas, voltados para a perpetuação e rearranjo patrimonial dentro da família, permaneçam protegidos ao longo das gerações.

Historicamente, o desajuste entre sócios está entre as diversas causas de mortalidade das empresas [1], principalmente por envolver cenários que não foram definidos previamente em instrumentos contratuais. Regras para reinvestimento, destinação do lucro líquido, condições para aumento de capital e métodos de alienação de quotas ou ações, são alguns exemplos que, se previamente estipulados em acordo de sócios, podem ter potencial para esgotar boa parte dos problemas que resultam na morte de negócios pelo país.

As empresas que têm o escopo de reorganização patrimonial denotam certa impessoalidade por sua própria condição. No entanto, certas imposições claras e expressas regulamentam a relação dos sócios e acionistas de uma mesma família. Especialmente aquelas relacionadas a condutas pessoais que não devem ser reveladas ao grande público. É fundamental que essas normas tenham caráter preventivo. Assim, desincentivando a ocorrência de litígios no curso do tempo. Além disso, sendo impossível a prevenção, é importante que existam critérios previamente ajustados para a correção ou o ajustamento de dadas circunstâncias.

Em síntese, o acordo nada mais é do que um contrato que se destina a estabelecer diretrizes sobre o comportamento dos contratantes em relação à sociedade de que participam. Ele funciona como um instrumento de composição de grupos seja de sócios, no caso de sociedades limitadas, ou, de acionistas em caso de sociedades anônimas.

O acordo evidentemente busca beneficiar todos os signatários, mas destaca-se o direito e segurança proporcionados aos sócios minoritários, pois qualquer alteração do acordo requer unanimidade. Essa característica diferencia esse instrumento do contrato ou estatuto social, que poderia exigir uma maioria qualificada para certas questões. Desse modo, deixando os minoritários sujeitos à aceitação das decisões tomadas exclusivamente pelos sócios majoritários.

Com previsão na Lei nº 6.404/76 (“Lei das S/A”), precisamente em seu art. 118, três são os objetivos principais do acordo entre sócios e acionistas, embora outras normas também possam estar previstas nele:

  1. Compra e venda de quotas ou ações;
  2. Preferência para adquiri-las;
  3. Exercício do direito de voto.

Por conta da natureza contratual do acordo de sócios e acionistas, seu conteúdo pode disciplinar temas de naturezas diversas. Assim, possibilitando que os signatários criem obrigações entre si. Isso se reflete especialmente na definição de quóruns de deliberação (isto é, qual é o percentual necessário, do capital social votante, para decidir determinadas matérias) e no poder de alçada de membros da administração e da diretoria.

As dúvidas sobre o momento da celebração desta modalidade de contrato surgem naturalmente, pois esse instrumento visa resguardar os direitos dos signatários e, acima de tudo, da sociedade. É fundamental celebrá-lo antes de qualquer possibilidade de desavença entre os sócios, como mencionado anteriormente. É na calmaria que se verifica o momento ideal para sua celebração, pois em um cenário de turbulência, dificilmente se chegará a um consenso quanto às suas disposições.

As partes devem firmar o acordo de modo a estender poucas previsões já constantes no contrato social, visando estabelecer previsões que não estão abarcadas pelo mesmo, seja por impossibilidade formal, legislativa ou estratégia empresarial.

Visando a contratação prévia de como se dará a condução dos negócios sociais a partir de sua celebração, o acordo de sócios ou acionistas pode, de forma sugestiva, fixar regras como: Transferência de quotas ou ações, com relação direta com planejamentos sucessórios realizados por sócios e acionistas signatários do acordo. A ideia central das transferências autorizadas é estabelecer que os sócios e acionistas signatários do acordo que pretendam iniciar um projeto de sucessão empresarial e/ou patrimonial tenham a liberdade de ceder suas quotas a filhos e esposas visando atingir o planejamento sucessório, não sujeitando essas cessões às regras de preferência, primeira oferta e entre outras cláusulas que impactem em transferência de quotas ou ações.

Transferências autorizadas de quotas ou ações. Esta previsão tem relação direta com planejamentos sucessórios realizados por sócios signatários do acordo. A ideia central das transferências autorizadas é estabelecer que os sócios e acionistas signatários do acordo que pretendam desenvolver planejamento sucessório tenham a liberdade de ceder suas quotas a filhos e esposas visando atingir o planejamento sucessório, não sujeitando essas cessões às regras de preferência, primeira oferta e entre outras cláusulas que impactem em alienação de quotas ou ações.

Tag e Drag Along. Os demais sócios majoritários têm a possibilidade de incluir um sócio ou acionista minoritário em uma venda de quotas ou ações pretendida, nas mesmas condições, através da cláusula de Tag Along. Cláusulas bem comuns em acordos e parte integrante das transferências de quotas ou ações, porém, somente por uma questão de ordem serão tratadas individualmente. Por sua vez, Drag Along, normalmente é um direito do majoritário, que visa incorporar em uma venda de participação dos majoritários a totalidade das quotas ou ações dos demais sócios ou acionistas minoritários.

Put e Call Option. Como mencionado anteriormente, devido à natureza contratual do acordo, muitos dos temas que o instrumento delineia não possuem previsão legal expressa, como é o caso das cláusulas de put e call option. Alguns acordos podem estabelecer que, em determinadas circunstancias específicas, os sócios ou acionistas podem:

     (i) obrigar que os demais acionistas adquiram suas quotas ou ações (put option);

     (ii) exigir que os demais acionistas alienem suas quotas ou ações à um determinado sócio ou acionista. Importante mencionar que a regulamentação dessas cláusulas também é essencial (prazos, notificações, hipóteses de acionamento, entre outras). Também é relevante destacar que o acordo de sócios e acionistas comporta a inclusão dessas disposições, ainda que não constem expressamente da lei.

Lock-Up. É essencial nas holdings patrimoniais e familiares. A cláusula de Lock-Up tem o objetivo de impedir que qualquer sócio ou acionista deixe a sociedade dentro de determinado período de tempo. Quando a holding constitui-se para fins sucessórios, o acordo de sócios e acionistas geralmente estabelece um período de Lock-Up de 5 (cinco) anos, a partir da data de falecimento do último dos patriarcas. Durante esse período, ninguém pode deixar a sociedade. Nas sociedades operacionais, por outro lado, é elemento que assegura o sócio investidor, mantendo vinculado o responsável técnico após o investimento.

Resolução de conflitos. As partes signatárias do acordo devem estabelecer um procedimento para a resolução de litígios, considerando que a paz social existente não garante que conflitos não surjam ao longo do tempo, mesmo em empresas compostas exclusivamente por membros da família ou amigos próximos. É altamente recomendável que se estipule, de forma conveniente, que os litígios sejam inicialmente encaminhados para mediação e, caso não sejam resolvidos, sejam direcionados para arbitragem. A propósito, a Arbitragem é essencial na resolução de conflitos societários, justamente pela especialidade, sigilo e agilidade, o que raramente se verifica no Poder Judiciário. Por fim, importante atentar-se à câmara ou instituição a que será submetido o litígio, uma vez que os custos podem ser elevados e, por sua vez, inviabilizar o exercício do direito pelo prejudicado.

Vejam que as matérias passíveis de inclusão no acordo de sócios são extensas. Podem variar desde cenários puramente econômicos e financeiros até a simples aquisição de quotas, ou ações, ou mesmo a preferência para adquiri-las.

Outro fator importante diz respeito ao prazo de vigência. Não são raros os casos de acordos celebrados por prazo indeterminado, gerando de pronto um problema importante: acordos de firmados por prazo indeterminado podem ser resilidos, ou seja, havendo um signatário que não tenha interesse em sujeitar-se as normas do acordo, basta denunciá-lo, manifestando puramente seu interesse na desvinculação, ficando desvinculado das obrigações assumidas.

Normalmente, instrumentos dessa natureza têm prazos que variam entre 10 (dez) e 20 (vinte) anos, ou vinculados ao prazo para obtenção de uma condição resolutiva expressa. Isso retira o direito da simples manifestação de desvinculação, uma vez que persistindo a condição resolutiva persiste também o prazo de existência do acordo.

Por fim, destacamos que sócios e acionistas normalmente estarão de frente com acordos em dois momentos :

     (i) na estruturação do negócio, ou seja, no início do projeto de empreender alguma atividade empresarial e, obviamente, na existência de dois ou mais sócios;

     (ii) no ingresso de um investidor, seja um fundo de investimento ou mesmo investidor estratégico buscando consolidar mercado. É certo que, em ambos os momentos, profissionais especialistas da área com amplo conhecimento em todas as matérias tratadas no acordo devem estruturá-lo.

 

(*) Matheus Kniss é advogado na Roveda & Marcelino Sociedade de Advogados (RMSA) e Especialista em Direito Societário.

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