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Voto Plural Como Mecanismo De Sucessão Empresarial

 

Por Sérgio Melo* e Fabio Ramos**

O ano de 2021 foi repleto de alterações importantes no âmbito do Direito Comercial. Uma das modificações mais relevantes surge da Lei nº 14.195/2021, a chamada “Lei do Ambiente de Negócios”, focada na desburocratização para abertura de empresas, comércio exterior e proteção dos acionistas minoritários.

Sempre que estamos diante da estruturação de planejamento sucessório, é necessário compreender qual o patrimônio a ser transmitido em vida. Para cada bem, deve-se avaliar criteriosamente a tratativa e o instituto que melhor acomoda a transmissão aos sucessores.

Tratando de quotas ou ações, a dúvida mais recorrente entre o empresariado está relacionada à estabilidade dos negócios.

É comum que matriarcas e patriarcas tenham receio quando chega o momento de “passar o bastão”.

Essa insegurança resulta na criação de arranjos societários complexos, cheio de amarras e com alto custo em razão das doações. A doação, por sua vez, é uma hipótese que pode acarretar na incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cujas alíquotas variam na prática de 2% a 8%, dependendo do Estado e da instituição ou do “não usufruto”.

Utilizando o Voto Plural como instrumento de sucessão empresarial, os sucessores podem deter a maioria da titularidade das ações da empresa. Por outro lado, se o fundador manter ao menos 10% das ações ordinárias com Voto Plural, permitirá ao sucedido a manutenção do controle deliberativo.

É notável a intenção do legislador ao dissociar o poder político do econômico, atraindo interesse de determinada faixa de investidores. Especialmente daqueles que não pretendem participar ativamente da condução da Companhia, ou mesmo, intensificando a sucessão patrimonial em vida em um ambiente de negócios onde 90% das empresas são familiares[1].

Naturalmente, no plano econômico, a propriedade de uma ou mais Ações Preferenciais com dividendos fixos ou mínimos já solucionariam o modelo de remuneração dos sucedidos.

Funcionamento do Voto Plural

A Lei das S/A já autorizava a emissão de classes distintas de ações ordinárias. A novidade do Voto Plural reside na possibilidade da emissão de Ações Ordinárias com poder de voto superior, limitado à até 10 votos por ação.

Destacamos algumas características próprias trazidas na redação do Art. 110-A da Lei nº 6.404/76, como, por exemplo, o tempo de vigência inicial de sete anos. É possível prorrogar este prazo por qualquer período, desde que atendidas as formalidades mencionadas no artigo.

É importante prever em Acordo de Acionistas sobre o modo como ocorrerá a caducidade.

Neste aspecto, destaca-se a figura do “Acionista Controlador”, conforme previsto no Art. 116 da Lei das S/A. Um grupo de acionistas que detenha um número suficiente de votos poderá estabelecer essa condição através de um acordo de voto para prolongar o prazo da ação com Voto Plural.

O empresário que deseje realizar o planejamento sucessório poderá utilizar de tal instituto a fim de transferir seu patrimônio em vida de forma estratégica, reduzindo a incidência do ITCMD sobre tal operação. Ao adotar essa abordagem, é importante ter em vista que o inventário será calculado apenas sobre as ações que o fundador detinha no momento da abertura de sua sucessão, evitando gastos elevados.

Via de regra, as ações com voto plural são de direito personalíssimo, nos termos do Art. 110-A, § 8º da Lei das S/A, não podendo ser transferidas a terceiros por qualquer título, salvo nas hipóteses previstas em Lei. No caso de sucessão no momento da abertura do inventário e a partilha destas ações, elas serão consideradas como convertidas em ações ordinárias com direito a voto único.

O Acordo de Acionistas pode prever a conversão das ações com poder de voto plural em ações sem voto plural no caso de sucessão, a fim de garantir maior segurança em relação à continuidade desse poder após o falecimento do acionista fundador.

Portanto, a ação com Voto Plural trata-se de uma excelente ferramenta no planejamento sucessório.

Assim, as companhias sob controle familiar poderão utilizar essa tática de maneira estratégica. Como resultado, pode evitar gastos com burocracias como o inventário e a partilha, tributação elevada, bem como manter o controle da companhia sem riscos aos negócios.

Conclusão

As ações com voto plural são um instituto recente no Brasil. Contudo, elas podem trazer uma gama de novas possibilidades para os Acionistas Controladores no momento de realizar um planejamento sucessório, sem precisar abrir mão do controle da companhia ou recorrer a amarras societárias complexas e de alto custo.

Tais ações podem oferecer maior flexibilidade no momento de realizar um planejamento sucessório. Desse modo, elas garantem uma segurança no controle da companhia, sem a necessidade de manter um número elevado de ações.

No entanto, é fundamental ressaltar que, independentemente da instituição das ações com Voto Plural, o instituto traz certas vedações que podem prejudicar o acionista que aplique tal modalidade de ações sem se atentar às peculiaridades instituídas pelo Art. 110-A da Lei das S/A.

Dessa forma, a orientação especializada e personalizada é vital, a fim de realizar o planejamento sucessório de maneira correta, evitando conflitos societários e a perda de direitos essenciais dos fundadores da companhia.

 

[1] Fonte: IBGE

 

* Sérgio Melo é sócio da RMSA, Coordenador do núcleo de Direito Digital e atuante no setor Societário.

** Fabio Ramos é estagiário jurídico da RMSA e atua no setor Societário.

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