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Trusts: O Que Mudou Após a Lei 14.754/2023?

 

Por Milena Tkatsch*

Em dezembro de 2023, o Governo Federal deu um passo à frente no sentido de reconhecer para fins tributários as estruturas offshore e trusts no exterior. A Lei de nº 14.754/2023 define o conceito de trusts, entidades controladas e aplicações financeiras realizadas no exterior e estabelece a forma de suas tributações.

Amplamente utilizado por investidores estrangeiros, o trust desempenha um papel significativo no âmbito do planejamento sucessório e gestão patrimonial. Nesta estrutura, o instituidor, denominado settlor, estabelece uma relação jurídica com um administrador (trustee), em quem deposita em sua confiança a gestão dos seus bens até que seus beneficiários possam receber os ativos no futuro.

Nesse contexto, considera-se o trust como uma entidade legal semelhante a uma pessoa jurídica, com direitos e deveres pré-estabelecidos, podendo ser instituído para promover proteção patrimonial e jurídica ao instituidor, garantindo que o seu patrimônio seja distribuído conforme a sua vontade.

No entanto, essa figura não possui correspondência direta com as estruturas societárias existentes no ordenamento jurídico brasileiro, o que gerava certa incerteza quanto aos seus impactos tributários. Portanto, o legislador, através da Lei Nº 14.754/2023, fez questão de trazer seus diferentes e possíveis aspectos, esclarecendo o momento e forma de tributação da transferência dos ativos, bem como quem é o titular (pessoa física) responsável pelo recolhimento do IR em caso de rendimentos auferidos através do trust.

O que mudou para os trusts?

A nova lei traz impactos diretos para três momentos distintos da estrutura que devemos nos atentar: criação, acúmulo de rendimentos e distribuição.

Criação do Trust:

Neste primeiro ponto, é importante compreender que trusts podem ser classificados como revogáveis ou irrevogáveis.

Sob a ótica da nova lei, em casos de trusts revogáveis, os bens permanecem sob o controle do instituidor (settlor).

Por outro lado, em casos de trusts irrevogáveis, os bens, quando da criação do trust ou abdicação de direitos de forma irrevogável pelo instituidor, serão automaticamente transmitidos aos beneficiários, nos termos estabelecidos pelo trust.

Esta classificação é relevante pois terá impacto direto na tributação de seus rendimentos e futuras distribuições.

Acúmulo de Rendimentos:

Neste aspecto, é importante destacar que a nova lei estabelece que trusts são figuras transparentes. Portanto, todo e qualquer ativo por ele detido (sejam aplicações financeiras ou empresas offshores) será considerado como detido por seu titular. Desta forma, a classificação do trust, como revogável ou irrevogável, é relevante para determinar o titular dos seus rendimentos.

No caso dos trusts revogáveis, o instituidor (settlor) detém os ativos e será responsável pela declaração e recolhimento dos tributos.

Por outro lado, no caso dos trusts irrevogáveis, os beneficiários serão reconhecidos como titulares dos ativos. Eles assumem a responsabilidade pela declaração do imposto de renda referente aos rendimentos auferidos através do trust. Em ambos os casos, a alíquota estabelecida é de 15% sobre o rendimento auferido, independente de distribuição dos ativos.

Distribuições:

No contexto das distribuições, a categorização do trust como revogável ou irrevogável também é relevante.

Em caso de trusts revogáveis, em que o settlor é o titular dos bens e direitos do trust, a distribuição durante a vida do settlor será tributada como doação, enquanto a distribuição realizada após o falecimento do settlor será tributada como transmissão causa mortis. Isto é, toda e qualquer distribuição de um trust revogável aos seus beneficiários será tributada pelo ITCMD.

Por outro lado, em trusts irrevogáveis, entende-se que não se aplica a ideia de distribuição para os beneficiários. Portanto, não há tributação relacionada a essa distribuição. Isso ocorre porque a lei estabelece que, ao considerarmos o trust como irrevogável, os bens são transmitidos imediatamente aos beneficiários. Estes, por sua vez, serão reconhecidos como titulares e tributados adequadamente. Dessa forma, é possível concluir que no momento da criação do trust irrevogável (ou quando há renúncia irrevogável de parte do trust pelo settlor), incide o ITCMD, como mencionado anteriormente. Após esse ponto, as únicas obrigações pendentes seriam as relativas à declaração anual de rendimentos, para a qual os beneficiários assumirão a responsabilidade.

Conclusão

Em resumo, podemos concluir que a lei estabelece o responsável formal perante o fisco, traz a tributação por transparência dos rendimentos, bem como a forma de tributação das transferências do trust para os beneficiários, o que era alvo de debates entre Receita Federal e o contribuinte.

No entanto, compreendemos que a lei apresenta certa incompatibilidade com as legislações estrangeiras aplicáveis aos trusts em várias jurisdições, ao estabelecer que, em caso de trusts irrevogáveis, o beneficiário é responsável pela declaração e recolhimento do tributo. Isso ocorre porque, na maioria dos casos, os beneficiários só tomam conhecimento de sua condição após o falecimento do instituidor e a efetiva distribuição dos ativos. Portanto, a constituição de trusts irrevogáveis merece, mais do que nunca, atenção especial e assessoria especializada.

Por outro lado, é importante destacar que a nova lei não dificulta ou impossibilita a constituição de veículos de investimento estrangeiros, mas sim estabelece e esclarece algumas questões relacionadas à tributação.

Tanto os trusts quanto as empresas offshore são componentes interconectados de uma gestão eficaz de patrimônio, assegurando um planejamento sucessório eficiente. Incorporar o planejamento sucessório em ativos detidos no exterior garante uma transição suave para a próxima geração ou sucessores escolhidos, permitindo a preservação da riqueza familiar.

Documentação adequada, revisões regulares, colaboração e orientação profissional são fundamentais para implementar com sucesso estratégias de planejamento sucessório dentro do contexto internacional. A equipe especializada da RMSA permanece à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas que possam surgir em relação a este ou outros temas.

* Milena Londero Tkatsch é advogada na RMSA. Atua no núcleo Internacional do escritório.

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