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Juntas Comerciais passam Comunicar Movimentações Suspeitas ao COAF

 

Recentemente foi publicado pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) a Instrução Normativa nº 76/2020, cujo objetivo consiste na adoção de práticas no âmbito das Juntas Comerciais, visando o cumprimento do previsto nas Leis nº 9.613/1998 e nº 13.810/2019, relativas à prevenção de atividades de lavagem de dinheiro e sobre a indisponibilidade de ativos determinadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, respectivamente. 

Em síntese, a IN nº 76/2020 traz características similares ao Provimento nº 88 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a política e os procedimentos adotados por notários e registradores visando a prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro. O sobredito provimento entrou em vigor na data de 03 de fevereiro de 2020 e desde então, os cartórios superaram os bancos em comunicações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF)[1]. 

Desde 1º de julho de 2020, as solicitações de arquivamentos de atos empresariais que se enquadrem nas situações listadas na IN nº 76/2020, devem ser monitoradas, selecionadas e analisadas com especial atenção e, se consideradas suspeitas, comunicadas ao COAF. A orientação mencionada está prevista no art. 3º da IN, os quais destacamos alguns incisos para análise: 

 

                        I – constituição de mais de uma pessoa jurídica, em menos de 6 (seis) meses,    pela mesma pessoa física ou jurídica ou que seja integrada pelo mesmo administrador ou procurador;

                      III – registro de sociedade onde participe menor de idade, incapaz ou pessoa com mais de 80 anos;

 

Relativo ao inciso I, é visível o conflito deste com os planejamentos de reorganização societária e planejamentos de natureza tributária com foco na segregação de atividades empresariais. O referido inciso terá impacto direto em empresas estrangeiras que pretendam investir no País, uma vez que é absolutamente comum que empresas domiciliadas no exterior, constituam uma ou mais empresas com o mesmo representante/administrador no País, o que pode acarretar em mais um desestímulo aos investimentos estrangeiros. 

Em complemento ao inciso I, o §2º da IN 76 ainda dispõe “§ 2º Independentemente do período de tempo constante do inciso I, outros casos suspeitos decorrentes da constituição de mais de uma empresa pela mesma pessoa física ou jurídica ou que seja integrada pelo mesmo administrador ou procurador devem ser monitorados, selecionados e analisados” ou seja, evidente o critério subjetivo imposto ao analista.

Notadamente, há um conflito existente entre a previsão do inciso III e planejamentos sucessórios realizados com vias a antecipação da sucessão, seja em âmbito patrimonial ou empresarial, pois não são raras as vezes em que figuram menores em sociedades com esta finalidade, seja como sócios de fato ou como nu-proprietário de quotas/ações. 

Invariavelmente, quando da análise do art. 3º, temos disposições que vão na contramão de normas que têm como escopo melhorar o ambiente de negócios no Brasil, à exemplo os princípios trazidos pela “Lei da Liberdade Econômica” [2] e normas contidas na Constituição Federal de 1988 como, a livre iniciativa, intervenção mínima e excepcional do Estado na exploração direta de atividade econômicas.

Outro destaque que se faz às disposições da IN 76, diz respeito a subjetividade de alguns incisos: 

 

                            XI – substituição integral ou de parcela expressiva do quadro societário, especialmente quando os novos sócios aparentem se tratar de interpostas pessoas;

                            XII – mudanças frequentes no quadro societário, ou no objeto social, sem justificativa aparente;

 

O que seria aparentar se tratar de interpostas pessoas?

Mais uma vez o critério subjetivo fica evidenciado, dotado inclusive de certo preconceito. A ideia de presumir “irregular” a substituição integral do quadro societário torna as operações de M&A passível de fiscalização, assim como projetos de reorganização societária. 

A rotina de quem milita em Direito Societário e registral vem melhorando, muito por conta de novas tecnologias e otimização de processos que tiveram como fundamento afastar a subjetividade contida nas normas de registro e, trazer novamente a subjetividade para a mesa de analistas das Juntas Comerciais não aparenta ser a melhor solução, o que pode acarretar na lentidão das análises e abarrotamento de notificações descabidas encaminhadas ao COAF.  

Cabe ainda o destaque para o art. 8º da IN, que exime a responsabilidade civil e administrativa do agente que realiza a comunicação ao COAF de boa-fé, ou seja, mais um estimulo para o envio de notificações sem análise contundente, bastando tão somente um julgamento raso, com “indícios” de movimentações suspeitas para a comunicação ao COAF. Evidente que a ausência de responsabilização do agente exclui os critérios por ele utilizados, deixando as análises prejudicadas.  

É necessário que se compreenda, que a capacidade de fiscalização do Estado, deve se estender a todas as esferas de sua atuação, sem fazer distinção ao investigado, trata-se então de uma premissa básica com objetivo de punir aos que cometem ilícitos. Todavia, o poder de fiscalização do Estado não deve e não pode coibir o exercício da atividade empresarial, tão pouco agir de modo a desestimular quem empreende no País.

Em resumo ao contido na IN nº 76/2020, temos que os atos empresariais levados a registro que se enquadrem na presunção de culpabilidade prevista a luz do art. 3º, devem sempre ser acompanhados dos fundamentos que justificam o ato levado a registro, ou seja, deve-se evidenciar a razão de contratar.  Uma alternativa à justificar os atos levados a registro pode se dar com os “considerandos”, comum em instrumentos contratuais mercantis, acordo de sócios, mas não tão presente nos atos societários (contratos sociais, estatutos sociais e suas alterações) [3].

 

Sergio Melo

 

[1] Cartórios superam bancos em comunicações de ações suspeitas ao Coaf. Poder 360, Curitiba, 27 de jul. de 2020. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/brasil/cartorios-superam-bancos-em-comunicacoes-de-acoes-suspeitas-ao-coaf/>. Acesso em 27 de jul. de 2020. 

[2] Lei da Liberdade Econômica – LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019 

[3]  Presunção de culpa x liberdade econômica: Primeiras impressões da IN DREI 76/20. Migalhas, Curitiba, 27 de jul. de 2020. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/322555/presuncao-de-culpa-x-liberdade-economica-primeiras-impressoes-da-in-drei-76-20>. Acesso em 27 de jul. de 2020.

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