pt-br

A Imunidade do ITBI x A interpretação dos municípios à Luz da atual posição do STF

Uma Análise à Luz do Tema 796 do STF

 

Por Any Caroline*

É muito comum no contexto de planejamentos sucessórios e reestruturações societárias, ocorrer a transferência de bens imóveis de uma pessoa física para uma pessoa jurídica por meio de integralização do capital social.

Esta prática visa uma possível sucessão em vida do patrimônio aos herdeiros, gerando uma economia significativa do Imposto Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”). Além disso, pode levar a uma possível isenção da incidência de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”) na transferência da propriedade dos bens.

Ao transferir o imóvel para a empresa, em vez de formalizar uma compra e venda, é muito comum que a operação ocorra por meio de integralização do bem imóvel ao capital social da empresa. Assim, neste cenário é possível obter a Imunidade do ITBI. Ele é um imposto municipal aplicado nas transações onerosas de bens imóveis, como a compra e venda. Suas alíquotas variam de acordo com o município onde o imóvel está localizado.

Da Imunidade Constitucional

Em regra, a transmissão da propriedade de um bem imóvel resulta na incidência do ITBI. Contudo, o Art. 156, §2º, I da Constituição Federal traz uma exceção a essa regra. Isto nos leva a uma das maiores vantagens tributárias ao transferir imóveis para pessoa jurídica.

Esta vantagem trata-se da Imunidade do ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica durante a realização de capital, bem como sobre a transmissão de bens ou direitos resultante de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. Todavia, mesmo dentro dessa exceção, há uma ressalva, conforme estipulado na parte final do dispositivo legal. Vejamos:

“Art. 156 § 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”

Ter cuidado ao analisar a parte final deste artigo é de suma importância. Quando se trata de uma empresa já constituída, é necessário verificar qual a sua atividade preponderante. Embora a empresa possua atividades imobiliárias, o munícipio deve analisar se a receita principal decorre dessas atividades. Logo, se for verificado que a atividade imobiliária não é predominante, a imunidade deverá ser concedida.

Por outro lado, quando a empresa está sendo ou acabou de ser constituída (como ocorre com as holdings, por exemplo), a concessão deve ocorrer em caráter suspensivo, ou seja, a atividade preponderante da empresa será definida posteriormente. Neste caso, é essencial que haja um acompanhamento contábil eficiente para adequar as receitas da empresa. Dessa forma, a receita preponderante não será decorrente de atividades imobiliárias e ela poderá usufruir da imunidade do ITBI.

No entanto, na prática, a imunidade do ITBI encontra vários obstáculos para sua concessão. Isso ocorre desde a não verificação, por parte do Município, da receita principal da empresa, até a tributação do valor excedente do imóvel integralizado como reserva de capital.

A não concessão pelos Munícipios e o Tema 796 do STF

O Art. 23 da Lei n. 9.249/95[1] estabelece a possibilidade de integralizar bens no capital social pelo valor que consta na declaração de bens. Quando o imóvel é integralizado no capital social da empresa, é lançado como ações, no caso das S.A, ou quotas, no caso das LTDA. Estas terão o mesmo valor dos bens ou direitos transferidos à pessoa jurídica. Contudo, o Município tem autonomia para analisar o pedido de imunidade do ITBI podendo reavaliar o valor do imóvel se considerar que o valor integralizado é menor que o valor de mercado do imóvel.

A partir dessa reavaliação, quando o valor do imóvel passa a ser maior que o valor constante da declaração de bens, o Munícipio lança o ITBI sobre o valor excedente da integralização. Além disso, a imunidade incide apenas no valor que o contribuinte subscreve e integraliza; portanto, é necessário pagar o ITBI sobre a diferença.

Decisão do STF e interpretação da imunidade do ITBI

Tais lançamentos pelo Munícipio geralmente se fundamentam na decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 796.376/SC do Supremo Tribunal Federal. Assim, mesmo havendo a subscrição e integralização do exato valor constante da declaração de bens, quando da reavaliação, o Município considera essa diferença de valor com reserva de capital.

Neste ponto, há uma interpretação totalmente equivocada em relação à não concessão da imunidade tributária baseada no decisium. A Suprema Corte estabeleceu uma clara diferença entre “incorporação de bens em realização de capital” e “incorporação de bens ao patrimônio”, termos utilizados no artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal, devido à integralização com reserva de capital. Vejamos:

“Essa distinção é importante, porque tem levado certa parte da doutrina e da jurisprudência a defender a não incidência do ITBI sobre o valor dos bens incorporados que for excedente ao do capital subscrito. Argumentam os defensores desta posição que qualquer incorporação de bens à pessoa jurídica é imune, pois as únicas exceções são aquelas expressamente definidas no final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88. Com essa alegação, propugnam que o intérprete não pode inovar criando outras hipóteses excepcionais.

 (…)

 É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I.” (Inteiro Teor do Acórdão RE 796376 / SC – Página 19 de 25)

Além disso, a decisão não menciona qualquer possível diferença entre o valor venal avaliado pelo Município e o valor pelo qual os bens são incorporados ao capital social pelo Sócio. Pelo contrário, enfatiza que as transmissões de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica como realização de capital são incondicionadas, desde que se refiram à conferência de bens para integralizar capital subscrito. Abaixo in verbis:

 “Reitere-se, as hipóteses excepcionais ali inscritas não aludem à imunidade prevista na primeira parte do dispositivo. Esta é incondicionada, desde que, por óbvio, refira-se à conferência de bens para integralizar capital subscrito.” (Inteiro Teor do Acórdão RE 796376 / SC – Página 22 de 25)

Ou seja, na decisão do STF ficou estabelecido que a imunidade do ITBI é “plena” para a formação do capital social da empresa. O imposto devido incidirá apenas sobre a parcela da reserva de capital, se houver. Caso o bem seja totalmente convertido em capital social, sem a necessidade de reserva de capital, o ITBI não será aplicado.

Recursos e conclusão

Quando o Município nega a imunidade, o contribuinte pode entrar com recurso da decisão através de um procedimento que varia de acordo com a legislação de cada Município. Nestes casos, é aconselhável que o contribuinte procure um advogado especialista na área. Se esgotadas as esferas administrativas, o contribuinte pode buscar a concessão da imunidade tributária por meio de via judicial.

Em conclusão, fica claro que a concessão de imunidade do ITBI é um tema complexo que envolve questões jurídicas, fiscais e de planejamento patrimonial. Portanto, é fundamental que um profissional especializado na área tributária e societária conduza todas as ações, após realizar uma pesquisa detalhada, antes de executar qualquer movimento com esse propósito.

 

[1] Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.

  • Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, sem aplicação do disposto no artigo. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-Lei nº 2.065, de 26 de outubro de 1983.
  • Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.

[2] Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4529914&numeroProcesso=796376&classeProcesso=RE&numeroTema=796

 

(*) Any Caroline é advogada na Roveda & Marcelino Sociedade de Advogados (RMSA) e Especialista em Direito Societário e Tributário.

Related Posts

Leave a Reply