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IGP-M como índice de reajuste do aluguel: é possível substituir?

 

Por Gabriel Kuhn

O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), corriqueiramente utilizado para fins de reajuste em contratos de aluguel, sofreu significativa alta nos últimos meses, especialmente, desde a chegada da pandemia de covid-19 ao Brasil, no início do ano de 2020.

Se, no mês de fevereiro de 2020, em que foi identificado o primeiro caso de contaminação pelo vírus Sars-CoV-2 em nosso país, o IGP-M registrava um acúmulo anual de 6,84%, no último mês de agosto o aumento acumulado no período de doze meses atingiu a elevada marca de 31,13%, sendo que em maio de 2021 verificou-se o histórico acúmulo anual de 37,06%, maior número desde maio de 1995.

Tamanha foi a recente elevação do IGP-M que, em muitas renovações e celebrações de novos contratos de locação, outros índices têm sido utilizados como indexador de correção, como, por exemplo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cuja alta acumulada anual constatada em agosto de 2021 foi de 9,68%.

A título de exemplo, mais de 60% dos contratos locatícios celebrados desde novembro de 2020 sob os cuidados da Quinto Andar, startup tecnológica que atua no mercado de aluguel e venda de imóveis residenciais, previram o IPCA como fator de reajuste, o que também passou a ser adotado pelo grupo administrador condominial e imobiliário Lello desde o início deste ano.

Ainda, Projetos de Lei foram apresentados no Congresso Nacional visando a limitação do reajuste em contratos de locação. O Senador Telmário Mota, do PROS de Roraima, propôs o Projeto de Lei n° 1.806/2021, segundo o qual os reajustes de aluguel não poderiam ser superiores ao IPCA, proposta semelhante à contida no Projeto de Lei nº 1.026/2021, apresentada pelo Deputado Federal Vinicius Carvalho, do Republicanos de São Paulo.

Em medida mais radical, o Deputado Federal Alexandre Frota, do PSDB de São Paulo, propôs, através do Projeto de Lei nº 631/21, o completo impedimento de reajustes de contratos de aluguel de qualquer modalidade até dezembro de 2022, estabelecendo, no mais, que a retomada dos reajustes deverá desconsiderar o acúmulo observado nos índices de correção no período de sua suspensão. Até o momento, nenhum dos mencionados Projetos foi votado.

É necessário destacar, entretanto, que há relevantes controvérsias acerca das referidas propostas, uma vez que podem ser interpretadas como lesivas a princípios como da intervenção estatal mínima nos contratos particulares e da autonomia da vontade contratual das partes.

Meu contrato de locação prevê reajuste pelo IGP-M. O que fazer?

Muitos locatários se encontram na situação em que seus contratos de locação, reajustados pelo IGP-M, estão em vigência e em momento ainda distante daquele previsto para seu término ou eventual renovação. Mesmo nesses casos, há como buscar a alteração do indexador de correção.

Primeiramente, é sempre aconselhável procurar o locador na tentativa de uma renegociação amigável, até porque a chamada Lei do Inquilinato (8.245/91), que disciplina as locações de imóveis urbanos, prevê que as partes podem convencionar livremente quanto ao preço e ao índice de reajuste e sua periodicidade, vedada, apenas, a vinculação às moedas estrangeiras e à variação cambial e do salário mínimo.

Entretanto, caso os contratantes não cheguem a uma composição, qualquer das partes pode, após três anos de vigência do contrato de locação ou de um eventual acordo realizado anteriormente, buscar a revisão judicial do aluguel, visando ajustá-lo ao valor de mercado, como prevê o artigo 19 da Lei do Inquilinato.

Ocorre que o inquilino pode estar sendo duramente onerado em decorrência da grande variação do IGP-M, sem que tenha obtido sucesso em renegociar seu contrato de aluguel junto ao locador e não tendo sido ainda superados os três anos do início da locação ou contados de eventual acordo anteriormente celebrado.

Sendo essa a hipótese, o locatário ainda pode buscar o Poder Judiciário. Nesse caso, deve-se, primeiramente, demonstrar o extraordinário contexto que justifique a flexibilização do prazo revisional previsto na Lei do Inquilinato.

No mais, o fundamento para o pedido de alteração do índice de reajuste contratual, ainda que temporária, pode ser não somente no sentido de que o valor do aluguel se encontra em descompasso ao comumente praticado no mercado, como também, por exemplo, de que, em razão da súbita elevação do indexador correcional, há quebra da base objetiva do contrato, em razão da inesperada ocorrência de fato superveniente à sua celebração, desequilíbrio das obrigações contratuais das partes, ou, até mesmo, enriquecimento sem causa do locador, que, sem contrapartida correspondente, passa a receber valor consideravelmente superior ao anteriormente pactuado.

Inclusive, diversas decisões judiciais recentes versando sobre a mudança do indexador de correção em contratos locatícios já podem ser encontradas. Como exemplos, temos as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos Agravos de Instrumento nº 2080492-13.2021.8.26.0000 e 2081463-95.2021.8.26.0000, em que o IGP-M foi provisoriamente substituído pelo IPCA, e na Apelação nº 1023541-07.2020.8.26.0564, em que a troca do IGP-M pelo IPCA foi determinada de maneira definitiva.

Já o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 0060412-57.2021.8.19.0000, determinou a modificação do IGP-M para o IPCA como índice correcional apenas com relação ao mês de abril de 2021, no qual estava previsto o reajuste anual do aluguel, ou seja, a decisão judicial em questão repercutirá até o momento previsto para a próxima correção. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por sua vez, julgando os Agravos de Instrumento nº 0015242-46.2021.8.16.0000 e 0002750-22.2021.8.16.0000, buscou conjugar os interesses de locadores e locatários e decidiu pelo reajuste provisório do contrato de aluguel pela média dos índices IPCA e IGP-M.

De todo modo, nota-se que o acolhimento da pretensão do inquilino depende, acima de tudo, do panorama de ordem fática apresentado ao Julgador, ou seja, de contextualização que evidencie a excessiva sobrecarga financeira à qual o locatário passou a ser submetido em razão da relevante elevação do índice IGP-M e os danos que pode vir a experimentar caso não encontre guarida no Poder Judiciário.

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