Tributação internacional e o RE 870.214: conflito iminente entre a MP 2158-35/2001 e os Tratados para evitar dupla tributação.
Por Mariana Matias
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou recentemente a análise da constitucionalidade do artigo 74 da Medida Provisória 2158-35/2001 no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 870.214.
O caso, iniciado em 2015, levanta questões fundamentais sobre a compatibilidade da tributação de lucros auferidos no exterior por controladas brasileiras com os Tratados para Evitar a Dupla Tributação (TDTs), especialmente no que tange aos acordos firmados com a Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo.
O contexto da controvérsia – o que a MP 2158-35/2001 determina?
A MP 2158-35/2001 determina que os lucros obtidos por empresas controladas no exterior devem ser considerados automaticamente disponíveis para a controladora brasileira na data do balanço, independentemente de sua efetiva distribuição.
O artigo 74 da MP 2158-35/20001 visa evitar que empresas mantenham recursos em jurisdições de tributação favorecida, reduzindo a base tributável no Brasil.
No entanto, tal presunção jurídica de distribuição prévia de lucros gera tensões com os tratados internacionais firmados pelo Brasil. O artigo 7º dos TDTs em questão determina que os lucros de uma empresa somente podem ser tributados no país onde a empresa está localizada, salvo disposição em contrário.
Importante ressaltar que o conflito entre norma interna e tratados internacionais foi o cerne do julgamento do RE 870.214.
A evolução do entendimento judicial
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia se manifestado sobre o tema, concluindo que a tributação automática de lucros auferidos no exterior viola os tratados internacionais e aplicando o artigo 98 do Código Tributário Nacional, que estabelece a prevalência dos tratados sobre normas internas.
No STF, o relator do caso, ministro André Mendonça, seguiu a mesma linha, rejeitando o Recurso Extraordinário da União sob o argumento de que a matéria se encontra no âmbito infraconstitucional.
No entanto, o ministro Gilmar Mendes instaurou divergência, defendendo a constitucionalidade da tributação imposta pelo artigo 74 da MP 2158-35/2001. Seu voto se baseou na jurisprudência do STF e na ideia de que a tributação de lucros auferidos no exterior seria compatível com os tratados firmados pelo Brasil.
Voto divergente do RE 870.214
As razões do voto divergente levantaram diversas pautas de atenção, dentre elas:
- Contradição com a jurisprudência atual do STF: o Supremo possui precedentes estabelecendo que a aplicação de tratados internacionais é matéria infraconstitucional e, por conseguinte, não poderia ser julgado no âmbito do STF. Ademais, anteriormente, o STF já havia decidido que a tributação automática de lucros de empresas coligadas em países sem tributação favorecida é inconstitucional;
- Violação ao princípio da prevalência dos Tratados: conforme previsto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, os tratados internacionais devem prevalecer sobre a legislação tributária interna;
- Falta de Base em Normas Antiabuso: a OCDE defende a aplicação de regras Controlled Foreign Corporation (CFC) como forma de combate à elisão fiscal e o modelo adotado pelo Brasil na MP 2158/2001 não se alinha ao padrão internacional.
- Rejeição pelos países contratantes: Bélgica e Luxemburgo já manifestaram, em foros internacionais, suas opiniões de que a aplicação das regras brasileiras é incompatível com o conteúdo dos tratados firmados entre os países.
Qual a relevância do RE 870.214?
Diante da relevância do tema tratado, o julgamento do RE 870.214 é crucial para definir os limites da tributação brasileira sobre empresas controladas no exterior, pois, a decisão impactará a forma como o Brasil lida com acordos internacionais e pode redefinir o cenário da tributação internacional no país.
Qual o status atual do RE 870.214?
O RE 870.214 encontrava-se pautado para julgamento, porém, no dia 07/02/2025 o ministro Kassio Nunes Marques pediu vistas e suspendeu a análise do caso. Até o momento ele ainda não foi retomado.
Seguiremos atentos, acompanhando os desdobramentos da questão!