A Transição dos Bens de Capital na Reforma Tributária: Impactos e Desafios Jurídicos
Por Eduardo Gomes
A transição dos bens de capital sofreu relevantes modificações a partir da Reforma Tributária (Lei Complementar nº 214/2025). Este artigo examina os impactos jurídicos das novas regras, especialmente no que concerne à desoneração e à tributação desses bens durante o período de transição. A análise se concentra nos princípios constitucionais da tributação, na segurança jurídica dos contribuintes e na compatibilidade das novas normas com os princípios da capacidade contributiva, isonomia e neutralidade fiscal.
1. Introdução
Os bens de capital desempenham papel fundamental no desenvolvimento econômico, representando investimentos produtivos de longo prazo. Historicamente, seu tratamento tributário tem sido objeto de intenso debate, especialmente diante das mudanças promovidas pela Reforma Tributária, consolidada na Lei Complementar nº 214/2025. Essa norma instituiu um novo regime para a tributação desses bens, com foco na desoneração progressiva e na harmonização da carga tributária.
Este estudo propõe-se a analisar as principais alterações introduzidas pela LC 214/2025, destacando seus impactos sobre a sistemática de crédito tributário, a operacionalização dos novos regimes e os reflexos para a segurança jurídica dos contribuintes, oferecendo uma visão crítica dos avanços e dos desafios impostos à dinâmica dos investimentos produtivos no país.
2. Regimes Especiais e a Nova Sistemática
O Capítulo III da Lei Complementar nº 214/2025 disciplina regimes especiais aplicáveis à aquisição de bens de capital, com o objetivo de estimular setores estratégicos da economia. Entre eles, destacam-se o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto), o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi) e o Regime Tributário para Incentivo à Atividade Naval (Renaval). Esses regimes já existiam sob a legislação anterior e foram agora atualizados para se adequarem à nova sistemática tributária.
O Reporto, o Reidi e o Renaval mantêm sua finalidade de fomentar investimentos em infraestrutura logística, energia e indústria naval, setores considerados essenciais para o desenvolvimento econômico do país. A reforma preservou esses incentivos dentro do novo modelo de tributação, buscando garantir a continuidade dos projetos estruturantes, agora com regras compatíveis com o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços).
Além da manutenção dos regimes especiais, a LC 214/2025 também trouxe a previsão de desoneração da aquisição de bens de capital de maneira mais ampla. A norma permite a apropriação imediata e integral de créditos de IBS e CBS, reduzindo o custo de investimento para as empresas. Ademais, autoriza a suspensão do pagamento de tributos no momento da aquisição, reforçando a intenção de impulsionar a modernização da estrutura produtiva nacional.
2.1. A Desoneração da Aquisição de Bens de Capital
A legislação instituiu a suspensão dos tributos na aquisição de bens de capital, com posterior conversão em alíquota zero caso haja efetiva incorporação ao ativo imobilizado. A definição de “incorporação” segue as normas contábeis vigentes, abrangendo também ativos financeiros e intangíveis, particularmente no caso de concessionárias de serviços públicos. Essa ampliação do conceito tradicional poderá gerar questionamentos práticos e contenciosos, exigindo rigoroso controle contábil pelos contribuintes.
Caso a incorporação ao ativo imobilizado não se concretize, haverá a cobrança retroativa dos tributos suspensos, acrescida de multa e juros. Ademais, setores como agricultura e transporte de cargas contarão com regimes diferenciados de incentivo, conforme previsão específica da norma. A tendência é que a interpretação administrativa e judicial dessas regras tenha impacto relevante na segurança jurídica do novo sistema.
3. Aspectos Transitórios e Segurança Jurídica
A transição para o novo regime tributário prevê critérios específicos para a aplicação da desoneração de bens de capital. Para que o benefício seja reconhecido, exige-se que a operação esteja lastreada em documento fiscal idôneo e que os bens adquiridos permaneçam no ativo imobilizado do vendedor por um período superior a doze meses. Essa exigência busca assegurar que a desoneração esteja efetivamente vinculada a investimentos produtivos de longo prazo, evitando seu uso indevido.
No âmbito da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a desoneração se aplicará às aquisições realizadas até 31 de dezembro de 2026. Durante esse período de transição, as operações continuarão sujeitas à incidência de PIS e Cofins, porém com alíquota positiva, o que implica a necessidade de um ajuste operacional e financeiro por parte das empresas para adequação à nova sistemática.
Já em relação ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a desoneração abrangerá aquisições efetuadas até 31 de dezembro de 2032. Nesse intervalo, as operações permanecerão sujeitas ao ICMS, também com alíquota nominal positiva. A extensão do prazo para o IBS reflete a complexidade de sua implementação em substituição ao ICMS, buscando garantir uma transição gradual e preservar a segurança jurídica dos contribuintes.
4. Reflexos Práticos e Projeções
A Lei Complementar nº 214/2025 estabelece regime tributário específico para a venda de máquinas, veículos e equipamentos usados adquiridos até 31 de dezembro de 2032. Em relação à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), as regras de alíquota diferenciada aplicam-se apenas às aquisições realizadas até 31 de dezembro de 2026, sujeitas à incidência de PIS/Pasep e Cofins com alíquota nominal positiva. Para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o benefício alcança as aquisições realizadas até 31 de dezembro de 2032, desde que tenha havido incidência do ICMS com alíquota positiva.
A partir de 1º de janeiro de 2027, para a CBS, a incidência será reduzida a zero na venda de bens usados para a parcela da base de cálculo correspondente ao valor líquido de aquisição. Sobre o valor que exceder esse montante, incidirá a alíquota normal da contribuição. No caso do IBS, a redução de alíquota será aplicada gradativamente a partir de 1º de janeiro de 2029, com fatores de ajuste que diminuem progressivamente em razão do ano de aquisição do bem: 1,0 para aquisições até 2028, 0,9 para 2029, 0,8 para 2030, 0,7 para 2031 e 0,6 para 2032. Também aqui, a parcela que exceder o valor ajustado estará sujeita à alíquota padrão do imposto.
O valor líquido de aquisição, para fins do art. 406 da LC 214/2025, é definido de forma distinta conforme o período de aquisição do bem. Para aquisições realizadas até 31 de dezembro de 2026, considera-se o valor de aquisição subtraído dos montantes de ICMS, PIS/Pasep e Cofins destacados na nota fiscal e passíveis de crédito. Na hipótese de ausência de destaque dos valores de PIS/Pasep e Cofins, será aplicada uma presunção, utilizando-se as alíquotas de 1,65% e 7,6%, respectivamente, sobre o valor de aquisição. Para bens adquiridos de 1º de janeiro de 2027 a 31 de dezembro de 2032, o valor líquido corresponderá à base de cálculo do IBS e da CBS acrescida do valor do ICMS não passível de crédito, conforme registrado na nota fiscal.
Essa metodologia de transição busca resguardar os princípios da não-cumulatividade e da neutralidade fiscal, fundamentais na nova estrutura tributária. A previsão expressa da consideração de ativos financeiros e intangíveis, em conformidade com as normas contábeis aplicáveis às concessionárias de serviços públicos, também demonstra uma ampliação técnica do conceito de bens de capital, prevenindo distorções na tributação e reforçando a segurança jurídica dos contribuintes durante a fase de adaptação ao novo sistema.
5. Conclusão
A transição dos bens de capital sob a LC 214/2025 representa um passo relevante na busca por um sistema tributário mais eficiente e equitativo. No entanto, desafios operacionais e jurídicos ainda persistem, especialmente no que se refere à definição precisa dos bens beneficiados e à compatibilidade das novas regras com princípios constitucionais. O acompanhamento jurisprudencial e legislativo será essencial para garantir a estabilidade jurídica e a previsibilidade tributária para os contribuintes.