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Prescrição Intercorrente em Processo Administrativo Fiscal

 

Por Lilian Ribeiro*

É de conhecimento geral que os processos administrativos na área fiscal, por vezes, ficam parados por cinco, dez ou até mais anos. Eles ficam sem qualquer andamento, aguardando a análise de impugnações ou recursos dos contribuintes. Isso pode ocorrer tanto na esfera federal quanto nas esferas estaduais e municipais.

Infelizmente, não existe uma regulamentação específica sobre a prescrição intercorrente na esfera administrativa fiscal. Essa prescrição é prevista apenas na Lei de Execuções Fiscais, que se aplica aos processos judiciais.

É importante lembrar que a prescrição ordinária tributária se refere à perda do direito do Fisco de cobrar um tributo devido à falta de início da respectiva ação executiva. Já a prescrição intercorrente ocorre durante o curso do processo, em razão da inércia do credor em localizar o devedor ou bens para penhora. Ambas têm um prazo legal de cinco anos e resultam na extinção do crédito tributário.

O tema da prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal é bastante controverso no âmbito da Lei, da jurisprudência e da doutrina pátria.

Para isso, analisaremos a seguir o principal regramento normativo utilizado pela corrente que defende não haver a prescrição intercorrente em PAF. Também examinaremos a súmula do CARF, que é uma decisão em âmbito administrativo. Além disso, revisaremos decisões no âmbito judicial, incluindo aquelas do STJ, Tribunais estaduais e federais, que defendem ou não essa possibilidade.

Além disso, analisaremos também quando será possível invocar o instituto jurídico da prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal, de que forma e quais os requisitos e prazos.

O Que Diz a Lei 9.873/99 e o Entendimento do Carf (Âmbito Administrativo)

A Lei 9.873/99 estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal. Ela prevê, em seu artigo 1º, um prazo de prescrição de 5 anos. Além disso, o §1º do mesmo artigo define um prazo de prescrição intercorrente de 3 anos em procedimento administrativo. No entanto, o artigo 5º da referida lei deixa claro que o regramento não se aplica a processos e procedimentos de natureza tributária. Vejamos:

Art. 1º. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

Art. 2º. Interrompe-se a prescrição da ação punitiva:

I – Pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;

II – Por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

III – pela decisão condenatória recorrível.

IV – Por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.

Art. 5º. O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.

Além disso, temos a súmula nº 11 editada pelo CARF, que exara o entendimento de que: “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”. E para o CARF, não há distinção entre natureza tributária ou não tributária; o órgão não reconhece a prescrição intercorrente em PAF em nenhuma hipótese, contrariando a lei acima explanada.

Deste modo, de acordo com a lei mencionada, somente seria viável a aplicação do instituto da prescrição intercorrente em âmbito administrativo quando não se tratar de natureza tributária. Um exemplo seria uma multa decorrente da suposta ausência na prestação de informações.

Em que pese esse posicionamento do CARF, é possível identificar decisões favoráveis no âmbito judicial, especialmente nos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 3ª Regiões (multa aduaneira), bem como no TRF da 4ª Região (multa cobrada por infração de interposição fraudulenta de terceiros na importação).

O Que Diz a Jurisprudência (STJ e Tribunais)

No âmbito do Judiciário, observa-se um cenário dividido entre entendimentos favoráveis e desfavoráveis à possibilidade de prescrição intercorrente nos processos administrativos fiscais.

A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial n. 1.113.959, firmou entendimento de que “não corre o prazo prescricional durante o curso do processo administrativo tributário, não havendo que se falar, portanto, em prescrição intercorrente na esfera administrativa tributária.

Em decisões mais recentes, o STJ tem exarado apenas decisões monocráticas avançando no tema decidido, em desfavor ao contribuinte.

Porém, em alguns tribunais, como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, há precedentes favoráveis ao contribuinte, no qual se reconheceu que, verificada a prolongada inércia da Administração, com a paralisação desmotivada do processo por mais de 5 (cinco) anos, não há como deixar de reconhecer a prescrição, sob pena de se aceitar a própria imprescritibilidade (Apelação Cível n. 597200054).

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já tem reiteradas decisões aceitando a prescrição intercorrente no processo administrativo tributário, merecendo destaque a Apelação Cível de n. 0082596-19.2012.8.19.0001, julgada em 2018, na qual o Desembargador Relator, referindo-se ao princípio da duração razoável do processo, afirmou:

“Admitir-se (…) um vácuo de não incidência de quaisquer fenômenos garantidores da não eternização dos processos seria vulnerar direito fundamental previsto na Constituição, olvidando-se por completo da norma lá inserida.” Por fim, conclui que: “o Fisco não possui um prazo ad eternum para decidir impugnações administrativas fiscais, sendo que o atraso na apreciação do processo, sem nenhuma justificativa plausível que a embase, comprova a verdadeira desídia da Administração Pública.”

Temos também parte da doutrina pátria que coaduna com as referidas decisões. Podemos citar Hugo de Brito Machado:

“ (…) se o Fisco abandona o processo por mais de cinco anos, já não se pode dizer que é o simples oferecimento de uma impugnação que o está impedindo de propor a execução fiscal: é abandono do processo […], sendo plenamente cabível falar-se sim, em prescrição intercorrente.”

Deste modo, de acordo com a decisão da 1ª Seção do STJ (1ª e 2ª Turmas do STJ), não há o instituto da prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, sob o fundamento de ausência de constituição definitiva do crédito tributário (art. 174 do CTN) e de previsão legal.

Por outro lado, tribunais de instâncias inferiores possuem entendimento de que a ausência de norma expressa prevendo prazo para a apreciação do processo administrativo fiscal não pode representar óbice para o reconhecimento da prescrição intercorrente, notadamente em consideração ao princípio constitucional da razoável duração do processo. Nesse sentido, é necessário o uso da analogia e dos princípios gerais de direito para sanar essa omissão, com fulcro no art. 108, I, II e III do CTN. Prazo prescricional de 5 (cinco) anos para cobrar o crédito tributário previsto no art. 174 do CTN deve ser levado a efeito para tanto, tudo sob fundamento à segurança jurídica e à razoável duração do processo.

Quando Será Possível Invocar o Instituto Jurídico da Prescrição Intercorrente em Processo Administrativo Fiscal, de Que Forma e Quais os Requisitos e Prazos

Conforme demonstrado anteriormente, a ausência de norma expressa prevendo prazo para a apreciação do processo administrativo nos faz responder à pergunta deste tópico com base em decisões favoráveis aos contribuintes, uma vez que a prescrição intercorrente em PAF não possui regramento próprio, apenas construção jurisprudencial.

Deste modo, somente seria possível invocar o instituto da prescrição intercorrente em PAF após transcorrido 5 (cinco) anos inertes de decisões ou despachos do órgão fiscalizador.

Por não haver decisões favoráveis ao contribuinte em âmbito administrativo, seria passível de êxito a discussão em âmbito judicial através de ação anulatória de débito fiscal ou outro meio jurídico, a depender do caso. Alegando, em síntese, o uso da analogia e dos princípios gerais de direito para sanar essa omissão legislativa, com fulcro no art. 108, I, II e III do CTN. Prazo prescricional de 5 (cinco) anos para cobrar o crédito tributário previsto no art. 174 do CTN deve ser levado a efeito para tanto, tudo sob fundamento à segurança jurídica e à razoável duração do processo.

Conclusão

Diante de todo exposto, conclui-se, portanto, que:

  1. Não há regramento específico que acoberte o instituto da prescrição intercorrente em âmbito do procedimento administrativo fiscal. Em pese existir a Lei 9.873/99, o seu artigo 5º expressamente prevê que não se aplica para procedimentos e processos de natureza tributária;
  2. O CARF exarou o mesmo entendimento através da súmula nº 11 em que “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”;
  3. No âmbito judicial o STJ, no julgamento do Recurso Especial n. 1.113.959, firmou entendimento de que “não corre o prazo prescricional durante o curso do processo administrativo tributário, não havendo que se falar, portanto, em prescrição intercorrente na esfera administrativa tributária”. E não mudou seu entendimento até o momento.
  4. Porém, em alguns tribunais, existem decisões muito bem embasadas em sentido oposto ao entendimento do STJ, considerando que o Prazo prescricional do 5 (cinco) anos para cobrar o crédito tributário previsto no art.174 do CTN deve ser levado a efeito analogamente ao PAF, sob fundamento à segurança jurídica e à razoável duração do processo e com fulcro no art. 108, I, II e II do CTN.
  5. Deste modo, é possível o pedido de prescrição intercorrente em âmbito do PAF, havendo maior probabilidade de êxito em sede de recurso judicial, visto que remota as chances de êxito em âmbito administrativo. Em que pese haver decisão contrária por parte da 1ª sessão do STJ, há diversos precedente em instância inferior, e pode haver mudança de posicionamento do mesmo.

 

 

*Lilian Ribeiro é advogada tributarista e coordenadora do setor de Contencioso Tributário e Gestão de Passivos da RMSA.

[1] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2019. p. 191.

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