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O planejamento sucessório de bens no exterior e a incidência do ITCMD

 

Por Isabella Pimentel*

 

O ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) é o tributo de competência Estadual que incide sobre o valor de bens ou direitos envolvidos em transações não onerosas, tais como a herança e as doações. O fato gerador do imposto é a própria transmissão causa mortis ou a doação de quaisquer bens ou direitos, conforme a legislação vigente.

A incidência do ITCMD sobre a transmissão de bens e direitos que estejam localizados no exterior foi julgada pelo STF, através do Recurso Extraordinário 851108. O artigo 155, §1º, III, da Constituição Federal determina que a competência para instituição do ITCMD será regulada por Lei Complementar nos casos em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior, ou em que a pessoa falecida possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

Atualmente não há lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro que regule a incidência do ITCMD nas hipóteses acima mencionadas. Desta forma, o Ministro Dias Toffoli defendeu em seu voto que a incidência do imposto é inconstitucional, sendo acompanhado pelo Ministro Edson Fachin. O relator propôs ainda a modulação dos efeitos da decisão para que a mesma seja aplicável somente aos fatos geradores posteriores a sua publicação. Isto porque eventual aplicação para os fatos geradores anteriores à decisão pode causar um impacto orçamentário negativo aos estados.

O entendimento do STF, portanto, consolidou a legitimidade da elaboração de planejamento sucessório envolvendo bens situados no exterior, pelo menos até que seja editada lei complementar a respeito. No entanto, o questionamento que ouvimos frequentemente é: como se dá esse planejamento sucessório?

O planejamento mais comum se baseia na constituição de uma holding[1], estabelecida no exterior cujo acionista será o autor da herança, a qual será a proprietária dos bens (imóveis, por exemplo) situados no Brasil. Quando do momento da sucessão, isto é, do falecimento do autor da herança, serão transmitidas aos seus herdeiros as cotas da empresa estrangeira por ele detidas e não os bens brasileiros propriamente ditos. Isto é válido com base em duas premissas:

1) Ainda que o autor da herança seja domiciliado no Brasil, os bens estrangeiros detidos por ele não serão inventariados no Brasil, uma vez que a legislação brasileira[2] estabelece que possui jurisdição somente sobre bens situados no Brasil, sendo amplamente aceito pela jurisprudência[3] que não se admite a competência do juízo brasileiro para decidir sobre bens situados no exterior;

2) Não há lei complementar que regule a cobrança do ITCMD nos casos de inventário processado no exterior ou autor da herança domiciliada no exterior.

Assim, pelo fato de o Brasil não possuir competência sobre os bens estrangeiros, o inventário brasileiro não envolverá a empresa estrangeira e sua sucessão ocorrerá no exterior. Ainda, diante da ausência de lei complementar e caso a decisão do STF se mantenha, conforme o voto do relator, não incide o ITCMD sobre o valor transmitido no exterior.

Exemplo de planejamento neste sentido é o caso reportado recentemente pela Folha de São Paulo[4], em que uma família repatriou R$ 48 bilhões dentro de um processo de sucessão patrimonial e agora a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo tenta cobrar o ITCMD sobre a transferência dos recursos ocorrida no exterior, que totaliza cerca de R$2 bilhões aos cofres públicos.

De tal modo, a decisão do Supremo é de extrema importância e afeta diretamente os casos de planejamento sucessório, já que a decisão em questão nega aos estados a competência de tributar as referidas sucessões, pelo menos até que seja aprovada lei complementar. Destaca-se que o STF estabeleceu o prazo de 12 meses, a partir da data de publicação da ata do julgamento, para que o Congresso edite a Lei Complementar que deve regulamentar a incidência do ITCMD nas hipóteses acima mencionadas. Atualmente, já tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei neste sentido. Não obstante, acredita-se que o prazo estabelecido pelo STF não seja cumprido.

Cabe ainda ressaltar que, em que pese aparentar ser um procedimento simples, o planejamento deve ser bem estruturado e avaliado por profissional experiente na área, uma vez que devem ser considerados aspectos particulares e extremamente relevantes, tais como o país de constituição da empresa, mais especificamente no que diz respeito à legislação local sobre sucessão e tributação de não residentes.

A equipe da RMSA está disponível para auxiliar e orientar quaisquer dúvidas que possam surgir a respeito do tema, bem como analisar e indicar as melhores opções para os planejamentos sucessórios em questão.

[1] Empresa cujo objeto social seria a administração de bens próprios.

[2] Art. 12, § 1º, da LINDB – Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.

[3] “Processo civil. Recurso especial. Inventário e partilha. Despacho com conteúdo decisório. Nulidade. […]. O inventário e a partilha devem ser processados no lugar da situação dos bens deixados pelo falecido, não podendo o juízo brasileiro determinar a liberação de quantia depositada em instituição financeira estrangeira. Recurso especial parcialmente conhecido e provido”. STJ – REsp: 510084 SP 2003/0006898-5, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/08/2005, T3, DJ 05.09.2005 p. 398;

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.PROCEDIMENTO DE INVENTÁRIO. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINA A RETIFICAÇÃO DAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES PARA INCLUSÃO DE UM LOTE DE TERRENO ADQUIRIDO NO PARAGUAI NO CURSO DO CASAMENTO. INVIABILIDADE. ADOÇÃO PELO BRASIL, DO PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DOS JUÍZOS SUCESSÓRIOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA PARA DELIBERAR SOBRE PARTILHA, EM INVENTÁRIO, DE BENS DO DE CUJUS LOCALIZADOS NO EXTERIOR. JURISDIÇÃO BRASILEIRA QUE SEQUER SE INSTAURA EM RELAÇÃO A TAIS BENS. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA PARA RECONHECER A INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA PARA DISPOR SOBRE A PARTILHA DE EVENTUAIS BENS IMÓVEIS DO DE CUJUS LOCALIZADOS NO EXTERIOR, DEVENDO TAIS BENS SER EXCLUÍDOS DAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES FEITAS NO INVENTÁRIO. (TJPR – 12ª C. Cível – AI – 1561564-2 – Curitiba – Rel.: Desembargadora Ivanise Maria Tratz Martins – Unânime – J. 18.10.2017)

[4] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painelsa/2020/10/misterioso-caso-da-familia-que-enviou-r-50-bi-ao-exterior-nao-pagou-imposto.shtml

 

(*) Isabella K.Pimentel é advogada na Roveda & Marcelino Sociedade de Advogados (RMSA) e Especialista em Direito Internacional.

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