Estratégias para Blindar Seus Projetos de Inteligência Artificial com Proteção Contratual
Por Leonardo Relvas*
O avanço da inteligência artificial trouxe inegáveis vantagens ao mundo. Essas vantagens estão presentes não só nas mais simples tarefas do cotidiano, como também no contexto de grandes empresas. Nesse cenário, as soluções digitais proporcionam economia e eficiência às suas operações.
Por consequência, empresas começaram a mobilizar investimentos e equipes para construir grandes projetos de processamento de dados. As empresas, rapidamente, atravessam a necessidade de adaptar a si mesmas para responder às novas mudanças, especialmente as que se concentram no mercado de tecnologia da informação.
Sabendo que não existe um número suficiente de profissionais no mercado de trabalho que possam se integrar a esses projetos com tanta facilidade, a precificação dos projetos de desenvolvimento de inteligência artificial vem sendo cada vez mais dificultosa, não apenas sob o ponto de vista financeiro, como também operacional e logístico. Hoje, equipes internacionais se integram a projetos cada vez mais complexos, levando a uma concorrência global por especialistas sem precedentes.
Nesse contexto, as empresas incluem cláusulas específicas ao contratar destacados profissionais em TI. Essas cláusulas visam a proteção dos projetos em que esses profissionais atuam. Esses projetos, em sua maioria, envolvem inovações digitais de alto valor de mercado. Qualquer vazamento ou compartilhamento de informações pode ser o fim para a rentabilidade do negócio.
O Papel da Cláusula de Não Concorrência em Projetos de Inteligência Artificial
Afora as tradicionais cláusulas de confidencialidade e proteção de dados, vem ganhando cada vez mais campo as chamadas cláusulas de não concorrência (non-compete clauses), onde é possível vedar ao profissional retirante do projeto o exercício e venda do conhecimento adquirido durante o contrato onde permanecia. Ao exemplo:
Um programador foi contratado para o desenvolvimento de um projeto de inteligência artificial, integrando equipe de construção de modelos e matrizes preditivas para a indústria petrolífera. O programador passa a ter acesso aos documentos e ao código fonte da IA, portanto, adquirindo informações privilegiadas sobre a inovação.
Em determinado momento, seja por vontade da empresa, do profissional ou até mesmo em razão da finalização do projeto, é encerrada sua participação, havendo com ele todo o material necessário para o desenvolvimento do mesmo projeto ao concorrente petrolífero, por valores, não raro, milionários.
Independente da conduta do programador ser ou não considerada ilegal, é importante que também seja contratualmente proibida, através da cláusula de não concorrência. Para tanto, é necessário que a cláusula conte com seus 3 (três) elementos de proibição, ou limitações. São as chamadas limitação material, limitação temporal e limitação geográfica:
Limitação Material (atividade): Não desenvolver projetos de código fonte e inteligência artificial voltados ao setor petrolífero.
Limitação Temporal (prazo): Não desenvolver tais projetos por 5 (cinco) anos.
Limitação Geográfica (espaço): Não desenvolver tais projetos no Brasil ou a empresa brasileira no exterior.
A construção da cláusula integrará estes 3 (três) elementos, para que esteja completa.
Tais limitações não são liberalidades, mas resultado de jurisprudência ao redor do país e principalmente de acórdão proferido no Conselho de Administrativo de Defesa Econômica (CADE)[1]. Não havendo o cumprimento destas 3 (três) limitações, a cláusula será nula e a empresa, por consequência, estará desprotegida contra concorrentes na evasão de seus colaboradores. Mais ainda, deve haver proporcionalidade nas limitações conforme cada contrato, sob pena de incorrência na mesma nulidade geral.
Indo mais além, a depender do segmento econômico, uma e outra limitação deverá passar por modificações, a fim de adequá-las à jurisprudência dos tribunais.
Conclusão
A conclusão final a que se chega é, não só com relação aos projetos de IA, como também qualquer profissional de alto escalão ou altamente técnico, que adquira conhecimentos internos, por sua posição ou acesso, pode se sujeitar aos desígnios da cláusula de não concorrência. Isso ocorre especialmente quando esses profissionais adquirem conhecimentos internos devido à sua posição ou acesso. A cláusula é utilizada como um mecanismo de proteção para criações, métodos e, de forma mais ampla, o know-how.
A referida cláusula, assim, passa a incorporar-se ao eixo de proteções do contrato, junto às cláusulas de confidencialidade e proteção de dados, como um elemento imprescindível nestas relações.
Sob certo espectro, a maior reflexão sobre a cláusula de não concorrência, e talvez a que lhe retira o maior fundamento de legitimidade, é ética. Proteger a inovação de projetos e ideias gera, também, um sacrifício à disseminação do conhecimento. Como resultado, o conhecimento passa a evoluir em menor velocidade, como já é de costume na proteção de patentes ao redor do mundo.
A Federal Trade Commission (FTC) dos Estados Unidos proibiu a adoção de cláusulas de não concorrência em certos formatos de contratação no setor de tecnologia. Essa discussão tem se expandido para agências como a US Chamber of Commerce e outras de natureza governamental. Especialistas mencionam que a constante preocupação destas entidades tem razões na corrida de inteligência artificial com a China e demais países. Essa disputa evidencia a competitividade no mercado internacional e a relevância das invenções digitais americanas no novo mundo da IA.
Sobre a corrida, Ray Kurzweil, considerado o guru da inteligência artificial no Vale do Silício e hoje head de tecnologia na Google, sacramentou na Conferência South by Southwest (SXSW), em março de 2024, o seguinte: “[…] em 20 anos, não serão mais discerníveis as fronteiras entre homem e máquina, máquina e homem, as máquinas se comportarão como homens, os homens se comportarão como máquinas, até o dia em que ambos se tornarão um, e se questionará o próprio limite da vida e do que é estar vivo”.
[1] CADE. Ato de Concentração n° 08700.012594/2015-19, Rel.: Conselheiro João Paulo de Resende. DOU: 25.01.2016.
*Leonardo Relvas é advogado e responsável pelo setor de Contratos da RMSA.