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As Normas Anticorrupção no Plano Nacional e Internacional

A corrupção é um fenômeno econômico mundial que existe desde o início da sociedade organizada. Ela pode ser entendida como o desvio de um poder, confiado a alguém, para gerar benefício próprio, seja financeiro ou de status.

A corrupção pode ser classificada como: nacional ou internacional; ativa ou passiva; pública ou privada; grande ou pequena. Mas, além desses critérios, o significado da corrupção enquanto fenômeno social está diretamente relacionado com os valores provenientes da sociedade, ou seja, como uma forma de violação da moralidade e interesse público (controle moral da sociedade).

Corrupção e moralidade se relacionam de maneira intrínseca, visto que, trazem um custo altíssimo para a sociedade e afetam diretamente o crescimento econômico de um país. Com reflexos na redução de incentivos aos investimentos econômicos, fomentando a concorrência desleal e prejudicando os integrantes mais vulneráveis da sociedade.

A primeira legislação voltada à corrupção dos agentes públicos estrangeiros surgiu no final de 1977 nos Estados Unidos, conhecida como Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). Em um contexto onde a prática de lobby pelas empresas americanas nas suas negociações que envolviam o pagamento de propinas a agente públicos, era culturalmente aceito no mercado empresarial do país. A sua proibição na época, foi vista por muitos negociadores como um grande risco aos negócios e a competitividade das empresas americanas.

O FCPA tem como enfoque dar um fim à corrupção, proibindo que as empresas americanas pratiquem atos de suborno a agentes públicos estrangeiros, para obtenção de novos negócios ou manutenção dos já existentes, obrigando as companhias a ter um sistema de registros contábeis e de controle interno vinculando as decisões aos seus administradores.

A legislação pioneira foi alterada em 1988, para se adequar à Convenção Antissuborno da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Depois dela vieram as Leis: Sabarnes-Oxley em 2002, voltada para prevenção de fraudes nas demonstrações financeiras; Lei Dood-Frank em 2010, advinda da reforma de Wall Street, incentivando financeiramente aqueles que denunciarem violações ao sistema financeiro, tornando os Estados Unidos como referência no combate à corrupção no direito privado empresarial.

Na Inglaterra, existe a legislação United Kingdom Bribery Act – UKBA, considerada uma das mais severas entre as nações, uma vez que criminaliza também a corrupção ocorrida no âmbito privado.

Em plano nacional, o Brasil passou a ser signatário dos tratados: Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU – 2006); Convenção Interamericana contra a Corrupção (OEA – 2002); Convenção sobre o Combate da Corrupção dos Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (OCDE – 2000).

A legislação brasileira, necessita de uma adequação à recomendação da OCDE no sentido de possibilitar a responsabilização da pessoa jurídica por atos de imoralidade administrativa envolvendo funcionários estrangeiros, complementando o chamado sistema de defesa da moralidade composto pela Lei de Combate a Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/1993); Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011); Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n 135/2010) e os crimes praticados contra a Administração Pública (artigo 321 do Código Penal).

Assim, o combate à corrupção empresarial gerou interesse, em plano nacional, diante da publicação da Lei nº 12.846/2013, pela qual tornou-se possível a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, estipulando-se uma nova diretriz nacional para a inserção da cultura ética nas empresas nacionais.

Vale destacar, que existiam outros instrumentos normativos anteriores à referida legislação que já tratavam do tema, como a Lei nº 9.613/1998, que tipificava como crime as condutas de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, determinando a prevenção da utilização do sistema financeiro para a prática de ilícitos dispostos na lei e, a criação do Conselho de Atividades Financeiras – COAF para o combate ao crime de lavagem de dinheiro e recuperação de ativos; bem como, as normas emanadas pelos órgão reguladores como a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e do Banco Central – BACEN.

O referido diploma legal em seu artigo 1º, trouxe a possibilidade da responsabilização da pessoa jurídica pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, especialmente por atos de corrupção, em concordância com o FCPA, UKBA e os tratados internacionais acima mencionados:

 

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

 

O artigo 7º, inciso VIII, previu expressamente como mecanismo e procedimentos de integridade, a auditoria, o incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, como forma de prevenção à corrupção e melhoria na contabilidade e auditoria do setor privado:

 

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

 

A partir desta realidade, a implementação de programas de compliance ganhou importância dentro da estrutura das empresas, buscando a criação de procedimentos de detecção, prevenção e correção de irregularidades ocorridas nas relações empresariais, prezando pela ética e transparência das negociações e pelo bom funcionamento do mercado, numa dinâmica de confiança e cooperação entre os seus agentes.

A adoção de programas de integridade ainda não é obrigatória no Brasil, entretanto, para a formalização de muitos negócios com empresas internacionais, há a exigência da sua existência para a contratação, seguindo os parâmetros impostos pelo Decreto nº 8.420/2015 [1].

A abertura das fronteiras do mercado internacional, estimulou a facilidade das negociações em escala global, tornando imprescindível a cooperação jurídica internacional entre os Estados no combate a crimes que envolvem atos de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, práticas anticoncorrenciais, mercado de capitais, entre outros tipos de delitos que adquiriram características transnacionais.

Em nível global as empresas estão tendo que promover uma junção entre moralidade, publicidade, legalidade, eficiência, impessoalidade, proporcionalidade e responsabilidade objetiva, que antes eram característicos do direito público agora fazem parte também do direito privado, evidenciando a supremacia do interesse público sobre o interesse privado em todas as relações jurídicas e econômicas.

Por essa razão, a gestão empresarial deve estar atenta no seu programa de Compliance também aos ordenamentos jurídicos estrangeiros aplicáveis a cada situação, pois diante da característica dos negócios internacionais, poderá haver o interesse de legislações dos países em que a empresa realiza os seus negócios e não somente no limite territorial em que ela está inserida, além de servir como critério de atenuação de sanções no caso de eventual responsabilização dos seus administradores por falhas de gestão. 

Portanto, a utilização de políticas de compliance reforça a confiança dos investidores, consumidores e negociadores aumentando a credibilidade da empresa no mercado. Por consequência, os seus lucros, que devem ser almejados prezando pela sustentabilidade das relações, em benefício da própria organização, dos seus empregados e da sociedade como um todo.    

Uma vez maculada a sua credibilidade por atos de corrupção, os prejuízos para a sua lucratividade são extensos, podendo ocorrer perda de rendimentos, passivo gerado com a resolução de litígios, a redução da base de clientes e, mais gravemente, em processo de falência da empresa.

Por conseguinte, a adoção da política de Compliance Anticorrupção na Governança Corporativa evita a quebra de reputação da empresa no mercado que está inserido seja nacional ou internacional, além de ser visto com bons olhos, tanto no plano nacional como no estrangeiro a sua atuação em frentes preventivas.

Fernanda Vanhoni

 

[1] O projeto de Compliance a ser aplicado deve considerar as características e os riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido planejamento, visando garantir sua efetividade.




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