Transfira Imóveis de Forma Rápida e Segura com a Adjudicação Compulsória Extrajudicial
PARTE 1
Por Wiuller Leite*
A legislação brasileira, por meio da Lei nº 14.382 de 2022, trouxe um mecanismo inovador para o direito imobiliário: a adjudicação compulsória extrajudicial.
Esse mecanismo surge como uma solução rápida e eficiente para situações em que o vendedor não cumpre com suas obrigações contratuais, como em casos de falecimento, declaração de sua ausência, incapacidade civil, incerteza quanto ao seu paradeiro, ou mesmo recusa injustificada do vendedor de transferir a propriedade do bem.
Esse procedimento permite que você faça a transferência do imóvel diretamente no cartório, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário. Isso está regulamentado pela Lei de Registros Públicos e pelo Provimento nº 150/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), garantindo agilidade e segurança.
Apesar de ser uma inovação útil, o interessado a usar esse procedimento deve conhecer bem seus requisitos e implicações. A lei exige o cumprimento de algumas formalidades, e não segui-las pode comprometer o sucesso do procedimento.
Contextualização e Importância da Adjudicação Compulsória Extrajudicial
No final de 2020, marcado pelo significativo impacto social da pandemia da COVID-19, o sistema judiciário brasileiro estava sobrecarregado com mais de 75 milhões de judiciais pendentes de julgamento final. Isso conforme parecer apresentado pelo Conselho Nacional de justiça – Justiça em número 2021[1].
Para aliviar essa situação, a desjudicialização — ou seja, a resolução de conflitos fora do Judiciário — surgiu como uma estratégia mais eficaz para aliviar a sobrecarga do Poder Judiciário. Neste aspecto, a Lei nº 11.441/2007 foi um marco ao permitir divórcios consensuais, inventários e partilhas por meio extrajudicial.
De 2007 a 2020, os cartórios realizaram mais de 787 mil divórcios e 1,5 milhão de inventários desta forma, segundo dados divulgados na segunda edição do Cartório em Números[2], publicado pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG.
Além de acelerar esses processos e proporcionar comodidade aos cidadãos, a desjudicialização gerou uma expressiva economia aos cofres públicos, estimada em quase R$ 5 bilhões em 2018.
A Lei nº 14.382/2022 intensificou esse processo de desjudicialização ao introduzir significativas mudanças no sistema e na legislação registral, incorporando uma nova ferramenta para o exercício dos direitos dos cidadãos, ao possibilitar a realização da adjudicação compulsória em âmbito extrajudicial.
Essa medida potencializa a prestação de serviços públicos pelos cartórios, facilitando o acesso das pessoas a soluções mais rápidas e eficientes, sem prejudicar a segurança legal. Além disso, alivia o sistema judiciário, evitando que mais processos cheguem aos tribunais.
Como funciona a Adjudicação Compulsória Extrajudicial?
A adjudicação compulsória extrajudicial é um instituto relevante no âmbito das relações jurídicas imobiliárias, garantindo direitos adquiridos em decorrência de contratos de compra e venda. Ele é usado principalmente quando o vendedor se recusa a outorgar a escritura definitiva, em violação ao disposto no artigo 108 do Código Civil:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
A adjudicação compulsória extrajudicial é um mecanismo que permite a transferência obrigatória da propriedade de um imóvel diretamente no cartório, sem precisar recorrer à Justiça. Essa mudança adicionou o artigo 216-B à Lei nº 6.015 de 1973, nos seguintes termos:
Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.
Para regulamentar esse processo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento nº 150/2023, que detalha os procedimentos a serem seguidos. Essa norma garante mais segurança e eficiência para quem usa esse mecanismo, pois os cartórios precisam seguir essas regras.
O provimento 150/2023, ao estabelecer procedimentos detalhados para a realização da adjudicação compulsória em âmbito extrajudicial, propiciou maior segurança jurídica e eficiência para a prática desse ato, vez que os registros de imóveis devem observar o referido dispositivo.
Além do comprador, o vendedor também pode, em algumas situações, solicitar a adjudicação compulsória, conforme o artigo 216-B, §1º, da Lei nº 6.015/1973 e o artigo 440-C do Provimento 150/2023 do CNJ:
Art. 216-B. § 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:
Art. 440-C. Possui legitimidade para a adjudicação compulsória qualquer adquirente ou transmitente nos atos e negócios jurídicos referidos no art. 440-B, bem como quaisquer cedentes, cessionários ou sucessores.
Este aspecto trazido pela legislação traz mais segurança ao vendedor, que muitas vezes permanece como proprietário do imóvel devido à falta de ação do comprador em oficializar a transferência da propriedade perante o registro de imóveis. Isso pode causar penalidades fiscais, no que tange à titularidade do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Ao permitir que o transmitente promova a adjudicação compulsória, o legislador visa garantir a efetividade do negócio jurídico e a transferência do ônus tributário para o adquirente.
O artigo 440-C, parágrafo único do Provimento 150/2023 do CNJ estabelece a obrigatoriedade da assistência de um advogado para a validade do procedimento:
Art. 440-C. Possui legitimidade para a adjudicação compulsória qualquer adquirente ou transmitente nos atos e negócios jurídicos referidos no art. 440-B, bem como quaisquer cedentes, cessionários ou sucessores.
Parágrafo único. O requerente deverá estar assistido por advogado ou defensor público, constituídos mediante procuração específica.
O requerimento inicial, elaborado por advogado, desempenha papel central nesse processo. Ele deve conter informações de identificação e endereço das partes, com a indicação mínima do CPF. Deve também incluir a descrição do imóvel, se for o caso, e o histórico de atos e negócios jurídicos que levaram à cessão ou à sucessão de titularidades. É importante mencionar circunstanciadamente os instrumentos, valores, natureza das estipulações, e a existência ou não de direito de arrependimento. Além disso, deve-se fazer a indicação específica de quem haverá de constar como requerido. O requerente deve declarar que não existe processo judicial que possa impedir o registro da adjudicação compulsória ou apresentar prova de que o processo foi extinto ou suspenso por mais de 90 dias úteis. O pedido de notificação e os demais requisitos presentes em uma petição inicial também devem ser observados, conforme o Art. 319 do Código de Processo Civil.
Art. 440-B. Podem dar fundamento à adjudicação compulsória quaisquer atos ou negócios jurídicos que impliquem promessa de compra e venda ou promessa de permuta, bem como as relativas cessões ou promessas de cessão, contanto que não haja direito de arrependimento exercitável.
[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/justica-em-numeros-sumario-executivo.pdf#:~:text=%3E%20N%C3%BAmero%20de%20processos%20pendentes%20em%20dezembro,que%20repre%2D%20senta%20queda%20de%202%2C7%%20ou
[2] https://anoreg.org.br/site/wp-content/uploads/2020/11/Cart%C3%B3rios-em-N%C3%BAmeros-2-edi%C3%A7%C3%A3o-2020.pdf
*Wiuller Leite é advogado e atua no setor de Operações Imobiliárias da RMSA.