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A Lei da Liberdade Econômica e a Instituição da Sociedade Limitada Unipessoal

Recentemente foi sancionada pelo Presidente da República a Lei nº 13.874/2019, oriunda da Medida Provisória 881/2019, comumente denominada como “Lei da Liberdade Econômica”.

Em sua essência, a norma objetiva a desburocratização de atividades econômicas de baixo risco como forma de impulsionar o empreendedorismo e, consequentemente, alavancar a atividade econômica brasileira.

Embora exista uma lacuna legislativa no que se refere ao início de sua vigência, a Lei da Liberdade Econômica traz inegáveis alterações em inúmeras áreas do Direito, em especial no Direito Empresarial, vez que instituiu a “Sociedade Limitada Unipessoal”, tipo societário proveniente da congênere “Sociedade Limitada”.

Em suma, os artigos 1.052, 1.053 e 1.054 do Código Civil são os responsáveis por prever a forma, tipo de responsabilidade e o numerário de sócios permitidos dentro de uma Sociedade Limitada, regime societário frequentemente adotado em solo brasileiro.

A opção de constituir uma Sociedade Limitada está enraizada no fato de que nela há a denominada “limitação de responsabilidade”, o que impede que o patrimônio dos sócios possa, eventualmente, integrar ao passivo e ativo da sociedade.

É necessário pontuar o fato que os sócios terão seu patrimônio vinculados à pessoa jurídica na medida da integralização de suas quotas, respondendo solidariamente em relação a terceiros apenas caso a sociedade não esteja com a integralidade de seu capital social integralizado, na proporção dos valores remanescentes.

Isso quer dizer que, acaso a sociedade tenha um débito e inexista meio hábil para saldá-lo, desde que o seu capital social esteja inteiramente composto, a dívida não poderá ser transmitida ao patrimônio de seus sócios, exceto no caso de desconsideração da personalidade jurídica.

O denominador da adoção ou não de uma Sociedade Limitada consiste na obrigação legal da pluralidade de sócios. É comum encontrarmos Sociedades Limitadas que contam com apenas dois sócios, sendo um deles evidentemente o controlador do negócio.

A ideia, na maioria dos casos, é destinar um numerário ínfimo de quotas ao sócio controlado para que assim garanta ao controlador o preenchimento do requisito de constituição da Sociedade Limitada, de modo que este possa exercer a atividade econômica com a segurança de que seu patrimônio não será – ao menos por ora – afetado.

Especialmente nesse último ponto, a Lei da Liberdade Econômica trouxe uma interessante inovação. Agora, esse tipo jurídico societário poderá ser composto por uma única pessoa, seja ela física, ou jurídica.

Há, no entanto, uma vicissitude sobre o tema. O artigo 980-A do Código Civil já autorizava, desde o advento da Lei 12.441/2011, a constituição da denominada “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, também conhecida por sua abreviatura “EIRELI”.

A EIRELI assemelha-se à concepção da Sociedade Limitada e viabiliza(va), antes mesmo da edição da Lei da Liberdade Econômica, o ingresso de uma única pessoa – também natural ou jurídica – sob o regime de responsabilidade limitada.

A criação dessa sociedade unipessoal intentou, na visão doutrinária, findar a burla existente nos quadros societários das Sociedades Limitadas, mormente na situação em que o controlador buscava um sócio “ventríloquo” para composição de seu quadro social.

Todavia, o ponto crucial por quem cobiça(ou) constituir a EIRELI resulta no numerário do capital social exigido para tanto. Diferente da Sociedade Limitada, o artigo responsável pela introdução da EIRELI em nosso ordenamento jurídico, indica que a integralização de seu capital social não poderá ser inferior a 100 (cem) salários mínimos vigentes no país, o que atualmente consiste em estrondosos R$ 99.800,00 (noventa e nove mil e oitocentos reais).

A complexidade desse montante reflete na sua integralização, que deverá ocorrer obrigatoriamente no ato da constituição da EIRELI, podendo ser em espécie, via crédito ou bens. Diferente do que ocorre nas Sociedades Limitadas, não é possível estipular períodos diferentes ou esparsos para sua integralização.

Ainda, além do farto valor, pessoas naturais que são titulares da EIRELI não poderão constituir outra, caso a primeira continue em atividade.

Diante da nítida e intensa recessão econômica-social qual o país vive – ou melhor, todas as pessoas, sobretudo aquelas que extraem sua subsistência de atividades mercantis –, a constituição da EIRELI, na maioria das vezes, torna-se uma situação burlesca ou, acaso constituída, em raras hipóteses o capital social estará efetivamente integralizado, tornando o empresário irregular nessa modalidade societária.

A novidade aflorada na Lei de Liberdade Econômica e transmitida no artigo 1.052 do Código Civil, portanto, traz uma interessante mudança que atinge o empresário individual, ao qual abre-se a possibilidade de constituir uma Sociedade Limitada Unipessoal, instituto semelhante à EIRELI, mas ao mesmo tempo diverso nos dois itens de maior repercussão: inexistência da integralização de capital social pré-fixado e possibilidade de constituição de mais de uma sociedade com o mesmo regime jurídico.

Embora a EIRELI tenha sido uma ótima opção àqueles que não partilham do affectio societatis para constituir uma sociedade que conte com a presença de mais um indivíduo, os requisitos descritos no artigo 980-A do Código Civil acaba(vam) por dificultar sua constituição, porquanto o empresário ter de contar com uma situação financeira já consolidada, além de lhe ser impossibilitado, se pessoa física, a titularidade de outra empresa do mesmo tipo jurídico.

Àqueles que já constituíram a EIRELI e não integralizaram o capital social exigido no artigo 980-A do Código Civil, pode optar pela transformação de seu tipo societário para a Sociedade Limitada Unipessoal, como forma de regularização de sua situação societária.

Assim, a Lei da Liberdade Econômica se revela um simples mas fundamental avanço ao instituir a Sociedade Limitada Unipessoal pois resolveu dois problemas societários, eliminou a necessidade de pluralidade de sócios para constituição da limitada e também do aporte de capital social mínimo., sejam de caráter financeiro ou burocrático.

Paola Haiduscki

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